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[PARTE II] Capítulo III - Ocupar e Resistir


Começaram as ocupações escolares em SP, manifesto legítimo e visceral de milhares de adolescentes secundaristas que se viram obrigados a realizar tal manifesto diante da tosca realidade de nossa rede de ensino público e da reforma estudantil promovida pelo ladrão de merenda, Geraldo Alckmin. Pela segunda semana das ocupações surgiu “a virada das ocupações” que seria um evento de mais de um dia em mais de uma escola para legitimar publicamente o movimento e ovacionar os adolescentes que faziam parte dele juntando dessa forma vários artistas fodas e dando abertura pra quem quisesse/pudesse chegar junto para somar de alguma forma...

Lá estava eu, no Rio, pensando ou em voltar pra casa ou em ir pra São Paulo como uma ultima tentativa de algo, eu já estava ali no Rio mesmo e parecia que algo me chamava pra cá, conhecia alguns artistas conterrâneos e até de outras regiões pela grande São Paulo e sentia que minhas composições encontrariam seu espaço por lá, Iuri também via na aventura a possibilidade de mais uma tentativa e sendo assim, nos inscrevi pro festival na parte artística mas desde sempre pensando em só conseguir chegar e ajudar como puder.

Não sabíamos como íamos ou se quer como voltaríamos de SP, estávamos sem uma moeda no bolso e no final das contas nos vimos desistindo dessa possibilidade pela falta de grana e por não saber o endereço (as inscrições foram tantas que eles tardaram a enviar o email pra alguns inscritos com o endereço). Decidimos ir pra uma festa na noite que antecedia o dia em que deveríamos estar pegando o ônibus para ir participar da virada em SP mas como a vida é louca o que eu não esperava é que no outro dia, enquanto eu acordava de uma ressaca brutal eu descobriria que o amigo de uma mina que conheci nesse rolê tava voltando pra SP naquele instante! levantei o Iuri, arrumamos a mala num relâmpago e lá nos mandamos pra cidade da garoa; chegamos inclusive sob garoa depois de uma viagem bem agradável com esse amigo dela, um brother chamado Washington (conhecido e chamado por “Xitão”) que nunca cheguei a trombar novamente apesar de guardar um grande carinho após essa curta mas especial viagem.

Na capital de Sampa o tempo estava meio nublado, as ruas molhadas... era dia 12 ou 13 de dezembro e atrasados, a primeira porta que fomos bater (eu havia recebido o email com o endereço poucas horas antes ainda na carona enquanto a gente vinha pra SP, dois doidos...) foi a da escola Alvez Cruz ali perto do metrô Sumaré, as 6h da manhã mais ou menos, os moleques vieram falar conosco mas ficaram meio assim com dois caras não secundaristas com umas malas e instrumentos totalmente aleatórios na porta de uma ocupação as 6h da manhã mas disseram que só não podiam abrir porque o zelador (que morava na escola) havia se trancado com a chave do portão em sua casa/quarto enquanto dormia; Vale lembrar que eram adolescentes de 15, 16 anos e por mais que a ocupação tenha sido um manifesto legítimo, necessário e visceral não quer dizer que não foi algo impulsivo em aspecto organizacional da parte dos adolescentes e tampouco que eles reagiriam com hostilidade com um funcionário por dar ou não a chave para eles. Todos os dias era uma surpresa diferente dentro de cada ocupação, boas e ruins, mas enfim, eles foram massa e mesmo incapazes de nos receber, deram as coordenadas pra chegar no Ciridião onde segundo eles ia acontecer a continuação do festival no dia seguinte. Caminhamos dois quilômetros carregando as malas e instrumentos até a Cerro Corá na porta do Ciridião.

A primeira coisa que tomamos conhecimento ao chegar lá é que definitivamente havíamos perdido a virada, nada ia acontecer por lá naquele dia a não ser uma provável visita do Emicida, foi o que nos disseram e de forma bem desconfiada mas educada e generosa, o pessoal nos acolheu em um quarto onde deixamos nossas coisas e saímos para um primeiro e rápido contato com os que estavam acordados na portaria da escola, foi bem rápido pois estávamos exaustos e bom, logo em seguida dormimos por pelo menos umas 6h e foi quando acordamos e nos deparamos com a Mc Soffia mandando um som na quadra da escola, rolou ainda mais rappers feministas e o Emicida também colou pelo fim da tarde, foi um baita dia foda... no final dele o pessoal ainda organizou uma assembleia e dentre as pautas, os estudantes analisaram nossa história e meio que nos adotaram como apoiadores internos enquanto durassem as ocupações e lá estávamos nós, em mais uma aventura longe de casa, agora inseridos em uma iniciativa com alta capacidade de gerar um grande impacto na sociedade, afinal, era um rolê horizontal, apartidário, gerido pelos próprios adolescentes e cada dia mais organizado e altamente efetivo, digo, se não fosse pelo rápido sabotamento do Estado que ficou mais forte – ferindo barreiras que você se quer imagina - conforme o tempo ia passando e a informação ia ganhando alcance.

Muitos alunos sob repreensão e pressão das famílias que muitas vezes não entendiam ou se quer se abriam a entender o que estava acontecendo ali, abandonavam as ocupações para não se virem em atrito com os familiares. O medo da polícia invadir as escolas era presente desde o primeiro dia e não demorou para que em algumas escolas outros alunos totalmente ignorantes da importância do que estava sendo feito e até do que estava sendo feito de fato partissem pra agressão na tentativa de expulsar os colegas que outrora dividiam carteira em sala de aula com eles, não na expectativa de voltarem as aulas mas apenas lidarem com os colegas “esquerdistas”, “comunistas”, “mimizentos”, “feministas”, “vitimistas” que devido a ignorância acreditavam estarem realmente badernando, destruindo ou prejudicando de alguma forma o ensino dos demais, esses apenas só se preocupavam, talvez, com a necessidade de concluir o ano e partir pro próximo, queriam seu diploma ou apenas só se saírem por cima visto que talvez devido a toda a manipulação midiática sobre o movimento parecia necessário para esses outros adolescentes que mostrassem publicamente que não havia apenas “adolescentes baderneiros” e que haviam “adolescentes que viviam sob a moral e os bons costumes” por assim dizer. Era de doer o coração quando alguma amizade minha secundarista filmava ao vivo as escolas sendo invadidas por outros estudantes portando pedaços de paus e ferindo seus semelhantes.

A internet foi cortada em todas as escolas ainda nas primeiras semanas cortando o diálogo deles entre eles e com o mundo externo e não demorou até serem descobertos celulares grampeados até aparecer os mano secundarista espancado na calçada ou as mana sendo estuprada dentro de viatura em meio a ato, me diz se alguma coisa dessa saiu em alguma mídia? Como dizem, isso a Globo não mostra, e olha que ela foi lá só pra filmar nossos muros. Não lhes faltou convites.

Em um mês vivenciamos o suficiente para algumas vidas na ocupa, a autogestão junto ao nosso esforço de manter o rolê horizontal fez que nos educássemos e amadurecêssemos de muitas maneiras enquanto indivíduos e coletivos porém o medo da PM invadir a qualquer segundo, o fato de não possuirmos uma comunicação dinâmica entre as escolas, com falhas constantes e o número de secundaristas ainda presentes nas ocupações cada vez menor pela pressão de retornar a seus lares passou a fazer com o que o movimento enfraquece cada vez mais rápido; No final do primeiro mês muitas escolas já haviam desocupado e tudo indicava que era questão de tempo até que as ultimas fossem desocupadas.

Uma vez ameaçado o Estado e suas instituições farão de tudo para neutralizar essa possível ameaça; Vimos isso ao vivo nas ocupações enquanto pais, mães, jornalistas, professores e claro, principalmente adolescentes de quatorze, quinze, dezesseis anos eram perseguidos por policiais armados a grosso calibre, de um lado eram adolescentes do outro soldados, literalmente, soldados com coletes pretos grossos, protetores faciais, protetores de todos os tipos, armas e bombas, carros gigantes, criaram até um tanque pra colocar medo nos atos, milhares de reais, talvez milhões! SÓ pra colocar medo porque mesmo se quisessem, um bando de adolescentes mesmo com as pedras mais afiadas que eles ainda conseguissem encontrar nas ruas não era ameaça nem pros próprios soldados treinados em táticas de guerrilhas urbanas, não era incomum nos vermos cercados em atos, era assustador na verdade, papo de pânico, lidávamos com o real medo de não voltarmos toda vez que íamos para um ato e quando nos despedíamos rolava uma preocupação real no ar que a gente ignorava considerando que antes de mais nada, sentíamos tudo aquilo como um dever, precisávamos lutar juntos, precisávamos ir as ruas. Foi foda e continua sendo. Ainda assim, é bem louco ver como as novas gerações estão tendo a possibilidade, graças a tecnologia que temos alcance também (celulares, internet, redes sociais...), de lidar de forma bem mais crua com a realidade (social, política, econômica) tendo consciência dela e se vendo como indivíduos pertencentes (ou não) a ela. Recebemos durante as ocupações apoio de escolas também ocupadas em outros países sem falar de algumas pessoas que moravam ao redor da ocupação e que deixavam sempre produtos de higiene e comida para nós, tínhamos sorte enquanto em algumas escolas foram eram cordões de policiais em volta da escola ao longo de dias para evitar que alimentos chegassem até os alunos da américa latina atestando que nossos problemas eram os mesmos em muitos outros lugares com sistemas educacionais semelhantes ao que vivíamos. Ainda espero que toda essa tecnologia que temos alcance sirva primordialmente para nos unir visto que nossos problemas são os mesmos.

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